Este
definitivamente não é um livro com princípio, meio
e fim. Ao invés de uma história, diversas histórias
e estórias. Aqui não se defende certa idéia, nem
cada capítulo é regulado por uma unidade de pensamento
que, ao final, traga conforto por se ter compreendido a mensagem.
Ao invés de argumentos que induzam a um desfecho ou defendam
uma tese, serão encontradas diversas idéias sutis e algumas
inacabadas.
Grandes escritores escreveram grandes obras sobre um único assunto.
Em épocas de tempo mais abundante, cada indivíduo dispunha
de maior tranqüilidade para desenvolver seus pensamentos, e a chance
de alguém aproveitar esse esforço era igualmente dilatada.
Como resultado, anos de dedicação à elaboração
de diversos volumes com enorme profundidade em pouca abrangência.
Hoje, longe da necessidade do próprio sustento, que por vezes
requer a hiper especialidade, quantos arriscariam a façanha de
ler tanto sobre tão pouco?
Criam-se resumos, obras compactadas e coletâneas para que o homem
moderno saiba o que disse um grande autor sem lê-lo completamente.
O excesso tornou-se inviável e até mesmo chato ao homem
moderno, pois há muito mais com que se preocupar. Qualidade e
quantidade deixam de ser dois conceitos para se fundirem num terceiro:
adequação, onde a qualidade depende da quantidade e vice-versa.
Destarte, não há vergonha ou diminuição
numa idéia sutil ou inacabada, mesmo porque a profundidade é
constantemente ferida pela impossibilidade de se esgotar o conhecimento
sobre qualquer dos pingos dágua retidos numa bacia cheia.
Em aditamento, um ou outro especialista sempre descobre algo de novo.
O esforço e exaurimento revelam-se em vão. Por isso, este
é um livro de idéias sutis.
Outrossim, não se trata de uma coletânea que vise esmiuçar
certo apelo social, cultural ou histórico. Não há
conspicuidade nem precisão nos objetivos. Diversos aspectos são
retratados, na sua grande maioria, desafiando o prosaico da vida, através
de uma ótica crítica, colocando em cheque verdades
há muito repetidas. Não é o pensamento de uma época,
um estilo ou uma defesa de tese. São manifestos que, por vezes,
têm mais relevância que grandes teses na vida do Homem comum.
Chutando o Pau da Barraca, antes de ser um livro, foi um
Diário de Idéias Pensadas. Cada uma das seções
foi escrita em um ou poucos dias, sem que no hoje houvesse preocupação
com o ontem. Depois de escritas, as seções foram agrupadas
em títulos, sendo o comprometimento seqüencial abandonado
em nome da autenticidade. Assim, cada capítulo expressa um conjunto
de idéias girando em determinada órbita sem núcleo,
como uma tempestade que, por sua natureza, traz intrinsecamente a surpresa
sem, no entanto, laborar pela implantação do caos.
Apesar da preocupação com a lógica racional interna
a cada idéia, o fim didático resta afastado, e isso se
comprova, posto que a informação não vem segmentada
para que, gradativamente, o receptor pense como o transmissor. Caberá
a cada um selecionar o que lhe aprouver para concordar ou discordar.
Neste escopo, exalta-se um trunfo: a consolidação na tempestade
de conhecimento é desejável ao Homem capaz. Ao inteligente
é reservada a tarefa de extrair o que lhe parece sensato em meio
ao todo. Para o que despreza o intelecto, resta a cegueira disfarçada
por saber ditos alheios. No livro não há ensinamento,
há provocação para que se atinja o conhecimento,
portanto, consentir ou absorver é proibido antes da devida reflexão.
O menosprezo pelas conclusões advindas das repetidas verdades
humanas passa longe, mas há rejeição brusca à
ausência de exame de suas origens e efeitos, uma vez que o pensamento
provocativo gera conhecimento, e o dogma, mera subserviência.
Conduzir conceitos arraigados na sociedade à derrocada não
é tarefa viável a um livro, e o inviável não
será alcançado, mas é legítima e desejável
a pretensão de que alguns possam rever um ou outro dogma decorrente
da absorção desavisada pela repetição insana
do cotidiano.
Por fim, resta uma breve explicação sobre o Título:
Um pensamento é algo que nos passou pela cabeça. Passou
e foi embora, não deixou vestígio. Alguns pensamentos,
no entanto, são demasiadamente preciosos para simplesmente esvaecerem,
merecendo experimentar certo labor lógico. Através da
coesão engendrada por nossas faculdades mentais, pensamentos
outrora desorganizados conseguem prosperar, formando uma idéia.
Nestes termos, podemos definir cada idéia como uma reunião
de pensamentos coerentes que perduram convergindo em determinada direção
até alçarem uma conclusão, seja ela certa ou errada.
Uma vez concebida, a idéia pode ser dita simples ou pensada.
A Idéia Simples traduz-se na manifestação intelectual
que, mesmo posta em prática, não traz em si a reflexão
saneadora, perdendo a utilidade tão logo seja consumida. Não
obstante tenha deixado rastros e gerado seus efeitos, a Idéia
Simples não é forte o suficiente para continuar sua jornada
de impressões, posto que apenas satisfaz a parcos objetivos imediatos.
Inversamente, a Idéia Pensada reflete algo a mais e por mais
tempo que um breve instante. Diante de um conjunto de pensamentos em
determinada direção, formar-se-á uma idéia
sobre a qual pesarão críticas e autocríticas. A
sobrevivência desta idéia a coloca como gênese do
que será internalizado e utilizado mais tarde. Teve-se uma idéia
e pensou-se sobre ela: ela é boa, foi lapidada, e, só
então, virou uma Idéia Pensada.
Com a valorização das Idéias Pensadas, demanda-se
algum incremento qualitativo do processo cognitivo e aumenta-se a responsabilidade
na propagação do conhecimento. A reflexão passa
a ser fator indispensável à manifestação
intelectual saudável e deve ter lugar antes que, levianamente,
venha-se a exprimir certa idéia. Repetir o que foi ouvido em
observância a um mero costume transforma o interlocutor em massa
sem valor agregado, num ser humano comportando-se como uma câmara
de eco, que reverbera o que é certo e o que é errado.
Haveria de se escolher um Título capaz de desafiar a acomodação
humana diante da repetição de conceitos que, tomados como
verdades, terminam disseminando toda espécie de mentira. Algo
que nos fizesse romper com o que foi montado de forma errada e sem alicerces.
Neste diapasão, parece razoável uma comparação
entre as barracas e as verdades absolutas que a história
nos faz engolir, uma vez que ambas não têm qualquer alicerce
confiável. Lembremos que nossas construções precisam
de fundações, sob pena de não passarem do primeiro
andar, tal como as barracas. Com a devida vênia, as amarras precisam
ser chutadas a fim de por abaixo as frágeis premissas que nos
aprisionam na mentira e no dogma que é instrumento da opressão.
Chutar o Pau da Barraca para ver se ela continua de pé
é necessário durante o longo processo de transformação
que leva um replicador de informação a evoluir e converter-se
numa unidade de difusão intelectual.
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