Colcha de Retalhos
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O garrafeiro

O senhor Manoel era um homem de baixa estatura, magro, de olhos azuis como um céu em tarde de verão, com os cabelos lisos e finos que ficaram grisalhos pelo tempo e pela vida. Os dentes revelavam poucos cuidados, devido às dificuldades de sua trajetória e, ainda por cima, faltavam-lhe alguns na frente. O senhor Manoel era um dos tantos imigrantes portugueses que vieram para o Brasil para trabalhar, uma vez que, em sua terra natal, tinham dificuldades para se recuperar das duas grandes guerras do início do século XX. Veio pobre, sem oportunidade de estudos e, como a maioria de seus conterrâneos, somente lhe coube o trabalho árduo e incessante, dia a dia, de domingo a domingo. Eu mesma também me identificava com ele. Também vim de Portugal, da Aldeia de Vila Boa, em Beira Alta, Distrito de Viseu, aos 7 anos de idade, de família pobre, trabalhadora, honesta e sem ter tido a oportunidade de estudos.

Certo dia, fui ao portão, após ouvir seus chamados de “garrafeeeeiro” para vender algumas garrafas velhas, e lhe perguntei:

– Senhor Manoel, por que o senhor trabalha tanto, carregando todo esse peso? O senhor já está com a idade avançada...

– Bem, madame, eu trabalho muito por uma boa causa. Imagine a senhora, eu tenho dois filhos, um rapaz e uma moça, ele estuda engenharia e ela medicina. É com o meu trabalho que tive condições de comprar uns livros e cadernos, pagar as passagens, comprar suas roupas e comida. E, no final do ano, eles vão ser doutores. Vai ser o dia mais feliz da minha vida e de minha esposa. – respondeu, com um forte sotaque português.

E o fim do ano chegou.

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