Crime na Lagoa


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Grave Advertência ao Leitor

Em qualquer hora do dia e da noite sempre há gente caminhando na Lagoa. Gente de todos os tipos e coloridos. Atletas vigorosos, mulheres com tudo em cima. Mas a galera peripatética somente fica completa se lhe acrescentamos os velhos, essas criaturas do ocaso, que estão ali tomando, com o sol ou o sereno, o seu remédio amargo e intragável, em forma de uma dolorosa caminhada que sempre parece não mais terminar, como obrigaram muitos judeus, na Segunda Guerra, a marchar sem nenhum destino, até morrer de absoluta exaustão.
Nesse infame rol dos desesperados, encontram-se os barrigudos, mulheres e homens em adiantada fase de erosão. Um comovente grupo que se arrasta como pode, querendo e esperando conseguir o contrário da tragédia judaica mencionada, isto é, adiar a morte mesmo que o preço seja viver essa contínua e louca tortura.

Estou no meio destes. E não tenho vergonha de dizer que preciso me mexer para não parar de vez, mas vivo torcendo e esperando que chova ou que meu personal trainer fique doente. Porque só assim posso comer, com toda a calma do mundo, aquela deliciosa refeição do dia que é o café da manhã, me enfiar na cama novamente sem toda aquela canseira, e só voltar à tona num horário mais decente e menos desumano. E enquanto isso, refestelado, dedicar mais tempo à importante indagação quase metafísica que me preocupa já não é de hoje: quem teria sido a pessoa maravilhosa que inventou a cama?

Pois é. Alguns, muito poucos, são acompanhados de seu personal trainer - designação inglesa que soa pedante e meio metida a besta para se referir a um grupo amorfo de profissionais que falam alto, fazem anotações e assumem poses de absolutos donos do pedaço. Há treinadores que ainda colocam esse nome estrangeiro gravado na camiseta, numa situação parecida com a do agente secreto português da velha e boa anedota de salão. Mas, em geral, são bons profissionais de educação física e têm um fôlego de fazer inveja a Nuno Cobra, ídolo do momento, ou ao velho Zatopek, ícone de todos os tempos, como o fenomenal baixinho que não cresce mas aparece e, às vezes, até aborrece! Ou não?

Eis que ele vem chegando. Passos vigorosos, que evocam paradas militares, e outras vezes ligeiro trote, tudo dependendo do controlado aproveitamento de seus alunos, uns sujeitos estropiados que parecem egressos da guerra do Paraguai ou de qualquer campo de concentração. Nos mais diferentes horários, essa criatura bem disposta roda a Lagoa umas dez vezes diárias, algo assim como o boiola dos halteres, que parece ter fogo no rabo e vocação para veado...

Acredito, porém, que a apresentação de todos os tipos lagoeiros deva ser feita junto com o inquérito policial que será instaurado, segundo minha intuição, muito mais cedo do que muita gente pensa... A propósito, me desculpe perguntar: será que existe mesmo muita gente que pensa? Ou não?