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Era
a primeira vez que comparecia
a uma reunião sobre
aquele pequeno planeta. Normalmente ele era indicado para setores em
estágios de evolução mais adiantados. E ele não
estava conseguindo entender quase nada. Por que todos estavam se comunicando
daquela maneira? Por mais que tentasse perguntar aos participantes o
que estava acontecendo, ninguém parecia entendê-lo. Estavam
utilizando uma freqüência pouco usual, que ele ainda não
tinha identificado com precisão, e o pouco do que entendia estava
lhe parecendo tão confuso que não havia meio de captar
o que estava sendo discutido. Os participantes da reunião pareciam
crianças brincando, e ele começou a sentir o que, na linguagem
que estavam utilizando, poderia ser chamado de nervosismo. Já
estava quase desistindo de entender o que acontecia, quando pensou ouvir
algo que certamente era dirigido a ele:
Reduza a freqüência para 5,32* e o conteúdo
para 0,28*.
Por quê? perguntou, já com as especificações
solicitadas. E então pôde entender completamente a resposta.
Porque estamos conversando sobre a Terra.
Sobre o quê?
Terra é como os seres que atualmente estão na zona
µ484¶ chamam o seu planeta.
Planeta?
É o nome que eles dão àquele tipo de setor.
Mas por que todos estão falando desta maneira?
Parece-me que levaremos muito mais tempo para nos comunicarmos com esta
linguagem quase sem conceitos.
É, mas quando algo for decidido, poderá ser realizado
na Terra. Antigamente não fazíamos isto, nos comunicávamos
normalmente e era comum optarmos por alguma coisa impossível
de ser implementada naquele setor.
Eles estão tão atrasados assim?
Pior do que isso. Estão atrasados e nem sabem que estão.
As condições ambientais ali são tais que quase
todos que lá chegam se esquecem de tudo e passam a pensar que
estão sozinhos, que nós não existimos e pior, que
não existe a Unidade.
Mas eu tenho informações de que muitos seres, mesmo
quando residentes lá, tiveram muito sucesso em sua missão.
Sim, existem casos isolados. Mas eles não conseguem enxergar
que estes seres não são especiais, mas iguais aos outros.
Eles, comumente, passam a cultuar estes seres, chegando até,
em alguns casos, a inventar o que eles chamam de religião. Atualmente,
assim que notamos algum ser residente por lá mais acordado,
optamos por enviar estímulos contínuos para que este permaneça
quase que incógnito, tentando levar o conhecimento apenas a poucas
pessoas, que procederão do mesmo modo.
Mas aí a disseminação da informação
se dá de forma muito lenta.
Nem tanto. Estamos utilizando uma outra forma também.
Assim que percebemos um ser que conseguiu se lembrar daquilo que deveria,
enviamos estímulos muito fortes do que eles chamam de criatividade
e o ser elabora histórias de ficção meio mirabolantes
que às vezes até viram filmes e que costumam fazer muita
gente pensar.
O que é um filme?
É uma espécie de história interpretada e
registrada em algum meio, de tal forma que possa ser exibida para outras
pessoas sem que os atores tenham que repetir a interpretação.
Os habitantes daquele planeta valorizam muito este tipo de engenho e
costumam assistir aos filmes com muita dedicação.
Não estou certo de estar entendendo muita coisa...
Você nunca foi lá?
Receio que não. Somente agora fui alocado, não
sei nem bem por quê.
Boa sorte.
É, acho que vou precisar.
Neste mesmo momento a presença de
foi solicitada no centro de decisões e lhe foi comunicada a sua
próxima missão. Como lhe haviam adiantado, esta seria
na Terra, à qual chegaria já em idade adulta, pois uma
substituição era necessária. Um outro setor estava
precisando urgentemente de um ser alocado à Terra, mas sua missão
ainda não havia sido concluída, apesar de sua personalidade
estar perfeitamente ajustada. Não seria justo com o planeta simplesmente
retirar o ser dali. Então ele o substituiria. Este artifício
não era muito freqüentemente utilizado, pois para que o
projeto, como um todo, tivesse sucesso, as condições de
vida em cada um dos setores sob a jurisdição daquele grupo
deveriam ser as mais naturais e espontâneas possíveis.
Mas a Terra, pobre Terra, estava precisando de alguma espécie
de ajuda. Explicaram que não estavam mais sabendo o que dizer
ao Gerente Geral, que lhes vinha cobrando resultados sobre
a zona µ484¶ com cada vez maior freqüência. E
eles começavam a sentir-se impotentes para impulsionar o desenvolvimento
daquele planeta. Quando isso acontecia, ou seja, quando um setor mostrava
mais dificuldade em se conectar com o todo, era comum o Uno
passar a preocupar-se mais com esse setor do que com os
outros mais desenvolvidos. Era absolutamente necessário que a
Terra acelerasse seu desenvolvimento, e rápido. As notícias
sobre os fracassos cada vez mais freqüentes das missões
naquele setor estavam se espalhando, e uma onda de pessimismo já
estava surgindo entre os seres. Quase ninguém mais queria ser
alocado à Terra, e isto não podia continuar acontecendo.
Quando a missão foi descrita a a, pareceu-lhe incrivelmente fácil.
Mas tão logo este pensamento veio-lhe à mente, uma chuva
de protestos chegou até ele, e desta vez em várias freqüências,
não só naquela que simulava a linguagem da Terra mas em
todas que comumente usavam. A síntese de todas as mensagens era
de que nada na Terra, afinal, configurava-se fácil. Quase todos
que por ali passavam esqueciam-se de tudo, ou quase tudo, e passavam
a desfrutar dos prazeres que o planeta proporcionava.
Talvez a variedade de espécimes ali existentes, ou a beleza do
lugar, ocasionasse aquele esquecimento. Ou, e recentemente esta teoria
já contava com vários adeptos, o fato de haver ali dois
tipos de corpos em cada um dos espécimes fosse afinal a causa
de tudo. Diferentemente do que acontecia em outros setores, na Terra
havia machos e fêmeas, e devido a isso havia o sexo, o que tinha
originado muitos dos problemas ali existentes. Mas todos os seres que
por lá passaram garantiam ser o sexo uma coisa muito positiva
e que, em vez de abolido na Terra, como já pensavam alguns, deveria
ser disseminado em outros setores. Quando perguntaram ao Sutil,
o mais silencioso dos conselheiros, sobre o que ele achava, posto que
não haviam conseguido ainda um consenso sobre aquele assunto,
Ele limitou-se a sorrir.
Garantiram a a que lhe seria possível a realização
de contatos permanentemente, desde que, é claro, não se
esquecesse do que estava fazendo na Terra.
saiu
dali meio tonto, mas não teve tempo de curtir muito a sua confusão,
pois logo entrou em uma espécie de treinamento intensivo e rapidamente,
já agora com o nome de Pedro, viu-se em uma cama de hospital,
recém-operado do coração. Assim que tomou consciência,
sua mente foi tomada por uma onda assustadora de pensamentos simultâneos,
sentimentos conflitantes, medo e dor. Pasmo, sentiu vontade de gritar,
de fugir, de voltar. Será isso a mente humana?, pensou horrorizado.
Respirou fundo, procurando observar o ar entrando e saindo de seu corpo,
tentou se acalmar, utilizando inclusive a sua memória terrestre
recém-adquirida. Percebeu com alívio que poderia contar
com várias técnicas armazenadas naquela pobre mente quase
ensandecida. Pensou em algumas cores, aprofundou a respiração,
acalmou-se. Ao focalizar a visão, deparou-se com uma pessoa que
deveria ser o que eles chamavam de médico. Olhava para ele de
uma forma tão impessoal que não lhe transmitia absolutamente
nada. Seu recente treinamento o fez ver que era aquele o nível
de comunicação do planeta, ou por outra, o nível
de não-comunicação. Tinham- lhe explicado que a
grande maioria dos seres, quando chegava àquele setor, parecia
esquecer-se de quase todas as formas de conexão, passando a utilizar
apenas a linguagem falada em seus contatos.
Como você está se sentindo?
Bem ele falou, pensando ter feito um gracejo, pois como
ele poderia estar se sentindo bem, com o peito todo costurado e uns
fios amarrados em seu braço?
Mas o homem não riu. Ao contrário, pareceu-lhe acreditar
piamente em sua resposta, passando à próxima pergunta
sem pestanejar.
Alguma dor?
Mais uma pergunta absurda, mas desta vez resolveu responder seriamente,
pois ao que parecia o senso de humor não era ali muito utilizado.
Todas.
Como?
Estou sentido todas as dores. Todas as dores a que tenho direito, considerando
a minha situação.
Você quer dizer que está sentindo muitas dores? Pode me
explicar onde? Só assim poderei ajudá-lo.
A
seriedade do homem o fez pressentir que realmente seria muito difícil
viver ali. Resolveu descrever com muita gravidade os seus sintomas e
o médico aplicou alguma coisa naqueles tubos presos por um fio
ao seu braço, e saiu.
Pedro ainda permaneceu acordado por algum tempo, pensando que as coisas
naquele lugar estavam realmente difíceis. Rememorou sua missão,
traçando mentalmente a estratégia que deveria utilizar.
Quando estava em seu lugar de origem, sua função lhe parecera
fácil. Agora que não contava mais com toda a sua capacidade,
começava a entender os protestos calorosos de seus pares, quando
apenas pensara em facilidade.
Após
ter dormido por várias horas, ao abrir os olhos deparou-se com
outro homem que o olhava de uma forma curiosa. Sentiu uma sensação
estranha, como se uma parte de si tivesse se perdido. Lembrava de um
sonho muito estranho, onde as pessoas se comunicavam de uma forma diferente,
não condizente com o que havia registrado em sua memória...
Não sei se já lhe contaram, mas durante a cirurgia
você sofreu o que chamamos de morte clínica por alguns
minutos. Realizamos os procedimentos de ressuscitamento e você
voltou. Sinceramente, pensamos que o tínhamos perdido. Você
se lembra de alguma coisa?
Não.
Lembrava
apenas daquele sonho que se passava naquele estranho lugar, mas não
queria compartilhá-lo com o médico. O sonho lhe parecia
muito real, mas não podia ser verdade. Sentia-se muito confuso,
queria ficar sozinho.
Mas você tem certeza? Não se lembra de um túnel,
de uma luz muito forte?
Infelizmente não me lembro de nada.
Em
suas lembranças, reais ou não, não havia túneis,
nem luzes muito fortes.
Contrariado,
o médico, após alguns poucos exames, saiu do quarto. Pedro
pensou que o interesse maior daquele que deveria zelar pela sua vida
parecia ser a sua morte, mas relevou o fato. Apesar de ter despertado
há pouquíssimo tempo, sentiu-se novamente sonolento. Não
queria adormecer de novo sem antes entender o que estava acontecendo,
mas sua luta contra o sono estava praticamente perdida, estava quase
dormindo e sua mente, desistindo da luta, se acalmou. E aí, uma
coisa ainda mais estranha aconteceu. Uma parte de si, que não
conhecia, pareceu assumir o comando e Pedro viu-se em conexão
com algo que não fazia sentido, pensando coisas absolutamente
estranhas.
De:
Para:
Está tudo correndo bem, apesar de eu não ter me preparado,
como deveria, para enfrentar a mente humana. Mas o meu predecessor parece
ter me deixado algumas ferramentas que estão sendo de grande
valia. Agradeçam a ele por mim.
Adormeceu
exausto.
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