A Formiga e Eu

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Desde pequeno, aprendera a gostar de formigas, e como no lugar onde passei a minha infância havia muitas, que estavam sempre trabalhando numa disciplina espartana, me acostumei a ficar longo tempo sentado a observá-las naquele vai e vem que parecia que não ia acabar nunca. Já minha irmã, por uma razão que jamais consegui compreender, gostava de cigarras e, ao cair das tardes de sol, ficava na expectativa de ouvi-las, como se aquele ruído que as cigarras produzem fosse alguma coisa longinquamente parecida com uma boa música.

Algumas vezes tentei fazer Thaís entender que a diferença entre as formigas e as cigarras não se resumiam apenas ao formato e ao tamanho. As formigas são trabalhadoras incansáveis ao passo que as cigarras vivem sem fazer praticamente nada, a não ser, quase sempre no verão, e ao cair da tarde, grudadas a um tronco de árvore, produzirem aquele chiado sem graça, monótono e sempre igual. Depois de um certo tempo, desisti de mostrar a minha irmã o absurdo de sua preferência; e concluí que aquilo era uma forma dela me chatear e acabei esquecendo o assunto. Só me lembrava dele quando uma cigarra, de tanto se esforçar para produzir aquele ruído tão desagradável a mim, morria e despencava no chão.

Não levava muito tempo para que as formigas aparecessem, e pouco depois um número razoável delas se metesse por baixo do cadáver da cigarra, o erguesse e fosse levando aquele pitéu para o formigueiro em formação ou já pronto e em plena efervescência.

Dizem que a curiosidade às vezes mata ou nos leva a viver situações complicadas. Quem, algum dia, colocou-se à frente de uma manada de búfalos em disparada, pelo campo, só para saber que sensação teria, certamente passou dessa para melhor, levando com ele, não sei se para o céu ou para o inferno, a sua estranha conclusão, nascida, com certeza, de sua sede de saber.

Apesar dos búfalos não serem animais inteligentes, são, como todos os outros, assustadiços. Não teriam passado por cima do corpo do curioso, se o mesmo tivesse se protegido atrás de uma árvore de razoável espessura. Todos se desviariam diante do obstáculo, e o morto poderia ter saído com vida da empreitada e teria para contar aos interessados o que de fato sentira, não importando, nesta altura dos acontecimentos, que o considerassem um herói ou um doido varrido.

Quando aconteceu, pela primeira vez, em minha infância, ter a atenção despertada pela marcha batida das formigas, comecei, de fato, a observá-las, e constatei como são espertas e inteligentes. Por exemplo: em vez de fazer igual aos búfalos, cavalos ou elefantes, que num estouro da manada passam, em correria, por cima de tudo o que têm pela frente, as formigas, seguindo sempre em fileiras, vão percorrendo os melhores caminhos, desviando-se, sabiamente, de todos os obstáculos que possam atrapalhar a sua caminhada. E olhando-as com atenção, pude também perceber que a formiguinha-guia tem uma constante preocupação com as que vêm atrás: de quando em vez ela volta para inspecionar as outras formigas, como que as incentivando a continuar naquela marcha, carregando pedaços de folhas, de galhos secos e diversos outros materiais, para o formigueiro em construção ou já construído, assegurando a todas uma vida sem problemas.

Sendo, desde pequeno, e aproveitando a liberdade que tinha na fazendinha do meu avô, um atento observador das formigas, aprendi a respeitá-las porque, como as pessoas da minha numerosa família, elas também eram trabalhadoras, acordavam cedo e estavam sempre fazendo alguma coisa útil. Não eram como as cigarras, que sempre me deram a impressão de que queriam passar a vida sem fazer força, e davam mau exemplo para minha irmã, que diariamente acordava tarde, quando todos já tinham tomado café da manhã, e só pensava em brincar de amarelinha.

Depois que fui para o colégio interno, em Petrópolis, voltando para casa só nos últimos sábados do mês, é que pude aprender ainda mais sobre as formigas. Descobri, atrás do pátio onde ficava o campo de esportes, um morro com dois formigueiros em plena atividade. O ir e vir das formigas era constante, e em vez de jogar bola ficava a maior parte do meu tempo livre observando-as.

Por sorte, percebi que meu professor de Geografia era vidrado em formigas, e um dia, depois da aula, contei que atrás do campinho de esportes eu descobrira dois formigueiros e aí a conversa foi se estendendo e ele se comprometeu a ir comigo até o local para observar as colônias.

Foi com ele que aprendi que no mundo já estavam catalogadas cerca de 18.000 espécies de formigas, e que só no Brasil eram mais de 2.000; sendo que apenas vinte espécies eram predadoras (como a saúva, por exemplo) e por isso deviam ser combatidas.

Quanto às outras, deveriam merecer o respeito e a proteção dos homens pelos benefícios que resultavam de suas atividades para a natureza.

Junto a um formigueiro, sentados a pouca distância daquele permanente corre-corre, durante todo o tempo ensinou-me tudo o que tinha conseguido aprender sobre as formigas. Como, por exemplo, que elas estão em todos os lugares da terra, exceto na Antártica e algumas ilhas oceânicas; que as formigas são insetos sociais que vivem juntos em colônias, e pertencem a Ordem Hymenoptera, o mesmo grupo onde estão catalogadas as vespas e as abelhas.

Com o correr do tempo ia absorvendo tudo o que o professor Monerat me contava, às vezes depois das aulas, ou antes que elas começassem. Até mesmo alguns sábados e domingos em que permanecia no internato, em vez de ficar batendo pernas pelas ruas de Petrópolis, o professor e eu passávamos horas conversando e observando as formiguinhas com duas grandes lupas que ele levava para tornar ainda melhor o que chamava de “pesquisa de amadores”. Era muito divertido e cada vez mais comecei a compreender e a gostar das formiguinhas pelo seu trabalho permanente e a organização de suas colônias.

Certa vez, perguntei-lhe por que as formigas eram sociais. Ele me disse que um inseto é considerado “social” pela sobreposição de gerações, pela divisão de tarefas e pelo cuidado com a prole. Nisso, me pareceu que não eram diferentes da espécie humana, embora muito depois tivesse percebido como são bem melhores do que nós.

Durante todo o ano letivo, aproveitei-me da paciência do professor e também de seu interesse e de sua admiração pelas formigas e aprendi muito. No dia do encerramento das aulas, para as férias de fim de ano, ele me deu um livrinho com informações muito interessantes sobre algumas espécies de formigas. Avisou-me que no ano seguinte estaria lecionando em São Paulo e ambos ficamos tristes, pois durante toda a nossa convivência nos tornamos bons amigos apesar da diferença das idades. Ele me presenteou com uma das lupas, mas a dedicatória que escreveu no livro foi que me deixou mais contente: “Os homens que gostam de bichos são bons de coração”.