Histórias do Lourenço

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PRÓLOGO

Joaquim, chamado Lourenço, era o filho mais velho do capitão. Encarregado da tropa, pouco parava na fazenda. Não se envolvia com os trabalhos dos agregados enxadeiros, a engorda de porcos, a produção da farinha de mandioca ou o de fubá de milho, a matança ou a venda do gado, nem com o fabrico da aguardente, produção que nenhuma outra fazenda se igualava, porque a Fazenda do Sertão, apesar do nome, ia até a costa e era a maior da região, a mais rica na produção.

Lourenço fazia o que gostava: viajar com a tropa, montado no Ruão, um burro inteligente para escolher caminho, bom de andadura, melhor do que muitos cavalos de raça. Não gostava de arma de fogo, embora possuísse uma espingarda de dois canos, dessas de carregar pela boca, que ele só usava quando tinha viagem para lugares desconhecidos, com fama de ladrões que atacavam os caminhantes, coisa que ele pouco acreditava, pois nunca havia encontrado um para servir de prova. Não dispensava seu canivete afiado, usado mais para picar o fumo e preparar a palha de milho para fazer seus cigarros, nem tão pouco. o facão que ficava pendurado no cabeçote do arreio e a foice de cabo curto, necessária para quando enfrentava caminhos abandonados, com o cambará de bicho tomando conta da vereda.

Para contrariedade de seu pai, mais ainda de dona Mariquinha sua mãe, mulher agarrada a princípios rígidos, não se dispunha a casar. Na casa dos trinta anos, alto, robusto, bem falante, não dava confiança às moças que viam nele um bom partido, contentando-se com os amores de Canuta, criada da fazenda desde que a mãe falecera e dona Mariquinha, sua madrinha, trouxera-a para a sua companhia, ainda engatinhando. Desses amores Canuta lhe dera dois filhos, – Antonio e Manoel – e nada lhe cobrava pelos carinhos que lhe dispensava.

Os garotos iam crescendo na fazenda sob os cuidados da avó, que dizia que os meninos não tinham culpa da sem-vergonhice do pai nem do assanhamento da mãe, que no viço dos vinte e cinco anos, era quem cuidava de lavar e passar a roupa de todo o pessoal da fazenda, e outros serviços da casa quando lhe sobrava tempo. Sempre alegre e bem disposta, mais ainda quando Lourenço chegava dizendo-se morto de cansado da viagem estafante, mas não dispensava uma visita ao seu quarto e lá ficava até o galo cantar, hora que de lá saía para evitar uma descompostura da mãe.

De cada viagem trazia um “caso” para contar, não se importando com as gargalhadas do irmão que o chamava de potoqueiro, nem dos agregados da fazenda, embora vez por outra trouxesse a prova de suas façanhas.Capitão, seu pai, homem sisudo, de poucas palavras, dirigia a fazenda, mas deixava o serviço maior por conta de seus filhos e a direção da casa aos cuidados da esposa, uma senhora temente a Deus, que se preocupava com a vida das famílias de agregados e camaradas, que trabalhavam a jornal nos períodos de plantação e colheita. Assim era a fazenda até que Lourenço descobriu que a riqueza ostentada era falsa.