Homossexualidade:
do preconceito aos padrões de consumo


Prefácio:

Ao longo de minha vida profissional, tenho freqüentado dois ambientes distintos. De um lado, o acadêmico, com as aulas, pesquisas, estudos, leituras, congressos e simpósios. De outro, o meio artístico, onde por mais de trinta anos venho me dedicando primeiramente ao teatro, mais tarde também à televisão.

E sempre me causou espécie uma discrepância curiosa: nas artes cênicas e na TV, convivi continuamente com um substancial contingente de homossexuais, atraídos que são pela vida artística. Por quê? Quando fui procurar no meio acadêmico explicações, não só que justificassem esta preferência como outras relativas ao modo de ser, sentir e agir dos homossexuais, pouco encontrei.

Afora uma ou outra contribuição da psicanálise, artigos (recentes) da Antropologia e da Sociologia, o que existe mesmo é – comparado a outros tópicos nem de longe tão importantes – um silêncio muito pouco shakespeariano.

Por isso, a minha alegria ao poder orientar um trabalho de pesquisa levado a cabo pela psicóloga Adriana Nunan, que se propôs a trabalhar justamente neste elusivo tópico de estudos. Trabalho este que resultou no impres-sionante livro que o leitor tem agora em mãos. E os estudos citados por Nunan, como se pode ver na seção de referências bibliográficas, são quase todos muito recentes. Pelo menos isso aprendi, logo de início: sim, já existe uma considerável gama de pesquisadores debruçados sobre o assunto, analisando desde o preconceito contra gays até as questões relativas à formação de identidade homossexual, sua inserção social e, mais recentemente ainda, a representação dos homossexuais na mídia e seus padrões de consumo.

O livro de Adriana, presta, pois, um grande serviço à Academia. Além de fazer um excelente resumo, de forma sistematizada, do que foi até agora estudado sobre a homossexualidade – e isso não é pouco! – propõe-se também a pesquisar em torno do consumo gay, passando ainda em revista tópicos como a construção da categoria “homossexual”, a história do movimento homossexual, inclusive no Brasil, e, é claro, a questão do preconceito e o modo como os gays lidam com a pressão resultante dos estereótipos e da discriminação contra eles.

Como não poderia deixar de ser, a questão da AIDS também é abordada, já que ela levou a discussões que foram além da doença em si, tocando em pontos importantes relacionados à moral e às diferenças sexuais, além, é claro, da educação sexual e de seu significativo impacto nos estereótipos e preconceitos contra os homossexuais.

Um ponto que merece destaque na presente obra é a parte que se refere às entrevistas. É bem interessante “ouvir” o que têm a dizer os homossexuais com suas múltiplas e flexíveis visões acerca da religião, do processo de assunção da própria homossexualidade (coming out), das relações com outros segmentos da sociedade e até do preconceito existente entre homossexuais.

A autora fica agora nos devendo novos insights e contribuições adicionais sobre os aspectos relacionados à questão homossexual que não pôde enfocar neste livro – que para isso teria de ter pelo menos dois alentados volumes – inclusive os relativos à atração (recíproca) entre a arte e a homossexualidade.

Espero que o leitor – homossexual ou não, universitário ou não, artista ou não – tenha o mesmo prazer que eu, ao percorrer este livro e obter assim mais informações sobre a questão gay. Adriana Nunan escreve com correção, clareza e simplicidade. Consegue juntar e resumir achados e controvérsias de forma elegante e – ainda bem! – comunicativa.

Tomara que o exemplo seja seguido e que novas publicações venham a se juntar a esta, que desde já constitui, sem dúvida e sem falsos elogios, um marco nos estudos realizados entre nós sobre a homossexualidade.

Bernardo Jablonski
Doutor em psicologia e professor da PUC - Rio
Escritor e roteirista da TV Globo