A trajetória de Adriana Bacellar no mundo literário pela
via da crônica é curiosa e instigante. Conjuga, com fluência
e simplicidade espantosas, duas abordagens bem diferentes da escrita:
paralelamente à sua visão jornalística, de observadora
sagaz dos fatos e narradora objetiva, faz uma delicada incursão
na escuta psicanalítica, bem fundamentada teoricamente e possuidora
de boa atenção flutuante, instrumento do psicanalista
que é a contrapartida da livre associação de seus
analisandos.
Esse
momento de passagem, a combinação de olhares, travessia
e atravessamento, se unem na experiência, que implica sempre um
certo perigo: o de se expor. Não é o mesmo que propor,
nem de se impor ou de se opor: sua linguagem não é a linguagem
da proposição mas sim a da matéria expressiva,
produzindo efeito em sua escritura, em sua narratividade. E Adriana
é atenta, o que não quer dizer que seja apenas hábil
em sua observação do mundo. Não se utiliza de símbolos
enigmáticos, nem sua estética é suspeita; compreendeu
que não se deve ter desprezo pela superfície, pela linha
reta, como nos ensinou Nietzsche, que duvidava daquele que achava que,
para ter valor, teria de ser complicado. E em sua simplicidade, Adriana
explora a espessura epidérmica em vez de optar pelas profundezas.
E o resultado é esplêndido: com rara sutileza, fala do
inapelável do mundo feminino, daquilo que não tem estrutura
que explique. O que explica a alma humana, e a da mulher em especial,
é uma certa paisagem, que vai se montando, aglutinando o que
havia de dispersão, de indecidível.
Há uma dimensão da vida que brutaliza a existência
porque não é possível trabalhá-la: no máximo,
obtemos soluções toscas, sem elaboração
delicada. E é justamente nisso que consiste o talento de Adriana:
ela não se atém à estéril tarefa de buscar
significados e se rende à evidência do bruto, pura intensidade,
aquilo que faz sentido mas não tem significado. Com doçura
e paixão, rara mescla, ela dá à mediação
sua devida espessura. Escapa da linguagem da comunicação
excusa, onde tudo é cifrado, e se abre à exploração
de sentimentos e sensações, despudoradamente. Nela nos
deparamos com o desejo construindo uma experiência que é
corporal e, portanto, afirmativa. Deixando de lado a função
judicativa e sem se desviar da matéria bruta, empreende uma escritura
rigorosa e cheia de emoção, encruzilhada de saberes e
vivências. Ao sentido existencial da ficção, acrescenta
o sentido ficcional da existência.
Suelena
Werneck Pereira
Psicanalista,
doutora em Teoria Psicanalítica pela UFRJ
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