A medicina, assim como a psicologia clínica, também tem
modas, ou seja, em certas ocasiões há tendência
para se formular excessivamente um determinado diagnóstico ou
propor uma nova terapêutica. Depois de algum tempo, havendo maior
observação, mais bom senso e melhores investigações
científicas ou técnicas, a moda ou desaparece
e fica apenas como um dado histórico ou passa a ser, ao menos
em parte, um real avanço na compreensão dos transtornos.
A psiquiatria e a psicologia infantil não poderiam fugir de tal
situação. Uma das modas atuais é a
entidade clínica denominada transtorno de déficit
de atenção com hiperatividade (TDAH). Esta mesma
entidade já recebeu outras denominações, tais como
disfunção cerebral mínima, transtorno
que um experiente professor de neurologia chamava ironicamente de confusão
neurológica máxima. Tal entidade é de difícil
caracterização e, pior ainda, de complicada avaliação
de sua intensidade. De fato, acaba designando crianças ou adolescentes
que têm realmente alguma disfunção em suas atividades
motoras e perceptivas mas também jovens que têm apenas
algumas características individuais que não se conformam
inteiramente com as exigências familiares ou sociais, como a escola.
Os pais e a escola esperam que as crianças sejam atentas, quietas,
educadas, dedicadas às coisas que interessam a eles mas não
necessariamente a elas, crianças, e assim por diante. Quando
tal não ocorre, atualmente há a tendência de considerar
tal coisa uma anomalia e enquadrá-la no TDAH. Esquece-se que
as crianças não vivem mais em casas com terrenos, árvores,
lugares amplos onde podiam desenvolver a necessidade de atividades motoras
e os brinquedos naturais tão comuns na época anterior
aos apertamentos das residências atuais. Esse diagnóstico,
quando mal formulado, transforma-se numa camisa-de-força para
tolher a naturalidade de tais infantes e, o que é ainda pior,
justifica o uso de medicação controladora do comportamento.
O livro de Lia Moraes é um alerta contra tais abusos, pois visa
mostrar que as crianças são diferentes entre si e não
são obrigadas a se conformar com determinados requisitos,
que muitas vezes são antinaturais. Deve ser lido obrigatoriamente
por pais, professores, pedagogos, médicos pediatras, psiquiatras
e psicólogos infantis.
Miguel
Chalub
Professor
Adjunto de Psiquiatria da UFRJ e UERJ
|