Sonetos sempre foram considerados uma forma difícil de se fazer
poesia. Seja em decasílabos ou alexandrinos, o poeta tem que
contar a sua história diante das várias dificuldades que
as regras impôem, em somente quartoze versos.
O
primeiro dever de quem se propõe a redigir o prefácio
de algum livro é, simplesmente este: ser imparcial e honesto,
em seu texto. Mas, dentro dessa premissa, há algo que também
deve ser levado em conta. O autor de um prefácio tem que, no
mínimo, respeitar as opiniões e as crenças dos
autores de livros sobre os quais vai trabalhar.
Seria, aliás, um contra-senso que o prefaciador decidisse, por
sua conta e risco, fazer o que não deve, qual seja o de contestar
as ideias do autor de um livro.
É necessário que ele não confunda prefácio
com crítica. A esta, sim, compete aplaudir ou desancar um texto
que está à sua frente, o que é atividade, quase
sempre, de jornalistas que atuam nos suplementos literários.
Para fugir dos prefácios tradicionais, achei mais prudente não
pensar em qualquer tipo de ensaio crítico. E para ser bem entendido,
ousei estabelecer aqui um paralelo entre meus versos de amor e os de
Théo Drummond. Em um de meus escassos três sonetos, eu
rogava à minha namorada infiel que continuasse infiel, desde
que nunca me largasse. Dos outros dois sonetos nem é bom
falar.
Nós éramos muito jovens, quase meninos. Mas Théo
Drummond já tinha rabiscado, em um velho caderno escolar, uma
dúzia de versos. E eu, nada. Em todo caso, isso foi bom para
nós dois: ele, mais tarde, por fazer algumas centenas de admiráveis
sonetos e eu, sábio, por ter retirado de campo as musas que haviam
me abandonado para sempre.
Mais de meio século passado, eis que Théo Drummond se
arrisca a deixar de lado os eternos sonetos com 10 sílabas que
o consagraram, para se debruçar nas redondilhas, de 5 ou de 7
sílabas, todas rimadas com seu conhecido rigor.
É preciso não esquecer que essa reviravolta é um
desafio perigoso, na medida em que essas redondilhas, para surpresa
de muitos, são, sob vários aspectos, de realização
complicada. O pé quebrado nunca teve intimidade na obra do Théo.
Nessa área, Théo é um perfeccionista.
Ele sabe que uma pessoa capaz de escrever uma obra com mais de 300 páginas
poderá corrigi-la, quando lhe der na cabeça. E é
o que ocorre nas demais obras de arte. Um escultor, um pintor ou um
arquiteto também podem se dar a esse luxo. Mas o poeta, não.
E por quê? É que a poesia está presa à música.
Na verdade, trata-se de um casamento com amor e sem divórcio.
Em qualquer roda de poetas, com exceção dos concretistas,
que escrevem poemas só para eles mesmos, a redondilha está
presente em quase todas as manifestações culturais de
elite ou populares.
O mais curioso em tudo isso é que, em muitos casos, há
poetas que crêem estar produzindo um poema com decassílabos,
quando, em verdade, essa criação é nada menos do
que a soma de duas redondilhas.
É bom que ninguém se esqueça de que poesia e remédios
devem ser utilizados na dosagem certa e na hora exata. O mestre Afonso
Arinos de Melo Franco, 80 anos, escritor, jurista e compenetrado de
suas funções como homem de Estado, tinha, no entanto um
bom humor inglês.
Certa vez, numa de suas entrevista à mídia, contou que,
quando moço e recém-casado, deixava em baixo do travesseiro,
todas as noites, um poema de amor para sua mulher.
E indaguei, eu: O senhor ainda faz isso hoje?
Não, meu filho. Minha mulher e eu, atualmente, só
trocamos bulas de remédios.
A criação literária unida à sua musicalidade
é, creio eu, um obstáculo fascinante que ilumina, é
certo, uma simples quadrinha, mas que obriga o poeta a uma exaustiva
ginástica cultural. Compactada, a redondilha, como uma sobremesa
requintada, não pode, como alguns pensam, ser feita ao sabor
do improviso apressado. Esse é o detalhe essencial que faz com
que elas, as redondilhas, se transformem numa verdadeira obra de arte.
Quem julga que fazer um poema de 5 ou 7 sílabas, de boa qualidade,
é fácil, que tente agora mesmo. Você gastará
anos para colocar no papel umas redondilhas, como as que mostro logo
abaixo, de autores anônimos.
Tu
fingiste que me amaste,
eu fingi que acreditei;
foste tu que me enganaste
ou fui eu que te enganei?
Se
essa rua fosse minha
eu mandava ladrilhar
com pedrinhas de brilhantes
só pra ver meu bem passar.
Os
meus olhos mais os teus
grande culpa eles tiveram:
os teus porque me amaram,
os meus porque te quiseram.
Uma
coisa eu vou garantir para o leitor: a obra de Théo Drummond
é bela e, talvez, mais que isso, ela é necessária
porque, mesmo nos versos dolorosos, semelhantes aos nossos, essa amargura
nos revela que ele é doce, terno e de coração aberto.
Raul
Giudicelli
Jornalista e escritor
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