Ultrapassando os Limites
A história de um brasileiro que amou o Paraguai


Resenha:


A História da América Latina está marcada pelos grandes relatos que confrontam permanentemente os símbolos da barbárie e a civilização. Porém aprendemos, através de uma visão crítica da modernidade, a reconhecer o valor de uma história viva e mais abrangente, aquela que se revela nos registros do cotidiano dos nossos povos. Nesses relatos descobrimos personagens que dão sustentação, mais que a história oficial dos Estados, a um registro que se incorpora à própria identidade nacional.

No livro Ultrapassando os limites, um brasileiro que amou o Paraguai a autora nos revela a vida de Jorge Lopes da Costa Moreira, um gaúcho do século XIX que foi testemunha e protagonista num Brasil de conflitos e transformações. Para um abolicionista liberal como ele, o regime escravo-crata era um empecilho para o progresso da sociedade. Maçom, entendia a cidadania como fraternidade e como tal somente poderia estar fundamentada na liberdade individual. Para ele o capitalismo representava não somente o dina-mismo na economia: era o motor das relações nacionais e internacionais e nele estaria inserida a energia necessária para acabar com o atraso histórico de nossas sociedades no trópico, e seria o germe da cultura que traria a modernização. Na narrativa se combinam as referências a fatos da história oficial da sociedade brasileira, que discutia seus problemas ligados aos fundamentos institucionais e as possíveis saídas que garan-tiriam o progresso, com o discurso das experiências e dilemas de um indivíduo que viveu intensa-mente sua época. O discurso oficial se entrelaça com a apresentação do percurso existencial do homem em sua condição humana, com o sentido de assentar e construir vida social e institucional. Esse esforço transcendente de Lopes Moreira não deve ser entendido como a procura de façanha, próprio dos candidatos à glória, e sim como o senso de perseverança no cumprimento de uma tarefa inspirada pelo sentimento de dever e fraternidade que ultrapassava diferenças culturais e nacionais.

O exemplo de Lopes Moreira demonstra, mais uma vez, como os homens têm capacidade para permear a vontade de seus Estados. Ele se tornou uma referência na reconstrução da institucionalidade do Paraguai sem por isso ter renunciado a sua origem, nacionalidade e lealdade ao Estado brasileiro. Na sua prática cotidiana, não livre de contingências e contradições, exibe um huma-nismo agregador de culturas, cujo primeiro exemplo é sua própria família. Os fortes vínculos estabelecidos naquela que considerava sua segunda pátria o fariam se engajar em projetos educativos e de fomento cultural que culminariam com o reconhecimento de uma vida dedicada ao trabalho. O espírito empreendedor ligado às atividades econômicas manteve-se presente, levando-o a participar de sociedades comerciais e à constituição da Escola de Comércio.

Ao recordar a história de Lopes Moreira, este livro reafirma a vontade e o esforço de homens e mulheres que se manifestam em prol de um continente sem barreiras. Olhar nossa América como um destino único, como terra de liberdade, igualdade de direitos, tolerância, desenvol-vimento, progresso e integração não deve ser visto simplesmente como sonho de idealistas.

Pedro David Mireles
Cientista político e professor universitário
Peruano que escolheu o Brasil para viver